quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Orçamento de Estado em tempo de crise e em ano pré-eleitoral

Tendo em conta que 2010 é um ano pré-eleitoral o Governo apresentou um Orçamento eleitoralista?

O Orçamento de Estado para 2010 acaba de ser aprovado na generalidade na Assembleia da República de Cabo-Verde.

É um Orçamento que assegura o crescimento, a competitividade e o emprego, promove a iniciativa privada e o consumo das famílias; é um Orçamento para um tempo em que as nuvens da profunda recessão por que passou a economia mundial ainda pairam sobre nós.

Os três grandes objectivos da política orçamental estão salvaguardados: satisfação das necessidades sociais através da provisão de bens e serviços públicos; redistribuição do rendimento e estabilização macroeconómica.

A política orçamental subjacente a este Orçamento é expansionista mas não eleitoralista. É uma política orçamental correcta porque anti-cíclica e não pro-cíclica. Anti-cíclica no sentido em que o Estado, ante um arrefecimento da actividade económica por causa da crise e à semelhança do que tem acontecido pelo mundo fora, utiliza as receitas e as despesas públicas para estimular a actividade económica.

É um Orçamento que pelas especificidades da economia cabo-verdiana servia para qualquer ano, quer fosse pré ou pós-eleitoral, o que permite-nos afirmar que para 2010 qualquer semelhança com uma dessas realidades seja pura coincidência. Contudo, este Orçamento consegue ser habilidoso, porque é ao mesmo tempo tecnicamente excelente e politicamente conveniente.

O Orçamento de Estado é um documento essencialmente político que reflecte as políticas e as prioridades de um Governo (educação, saúde, segurança, grandes projectos de investimento público), que influenciam o quadro macroeconómico (inflação, desemprego, défice orçamental, dívida pública, crescimento económico) e vice-versa.

Em tempos de crise os Governos ressuscitaram John Maynard Keynes. Segundo Keynes as autoridades de política económica devem utilizar a política orçamental e monetária adequadas a fim de promover o crescimento económico e o pleno emprego. Por exemplo, em tempo de recessão ou depressão o Governo deveria aumentar os seus gastos ou reduzir os impostos de modo a estimular a procura agregada.

A diminuição dos impostos e das receitas públicas conjugada com o aumento das despesas públicas provocou o aumento do défice orçamental e da dívida pública em várias economias das quais Cabo-Verde não foge à regra.

O ano 2009 caminha para o fim e a economia mundial começa a dar sinais ténues de recuperação económica. Contudo, os economistas recomendam a manutenção dos incentivos à actividade económica até que haja sinais claros de que se retomou a fase ascendente do ciclo.

Ao analisarmos de forma exaustiva da Proposta de Lei do Orçamento para 2010, algumas questões despertaram a nossa atenção e preocupação: o elevado défice orçamental previsto para 2009 e 2010 de 9,0% e 12,2% respectivamente e uma dívida pública que se estima que em 2010 seja de quase 80% do Produto Interno Bruto.

Um défice global de cerca de 12,2% do PIB e uma dívida pública de quase 80% do PIB não põe em perigo o Acordo de Cooperação Cambial (ACC) com a União Europeia?

A evolução do rácio da dívida pública em relação ao PIB demonstra que o Estado cabo-verdiano está a transformar-se num Estado Leviatã?
É sobre estes indicadores que de seguida vamos debruçar de forma mais técnica e com mais pormenor.

Essa análise é feita no texto em baixo sob o título "Défice orçamental e dívida pública".

Défice Orçamental e dívida pública

Quando analisamos as consequências macroeconómicas de um défice orçamental devemos fazê-la numa perspectiva dinâmica de interacção entre a dívida pública, as receitas e as despesas públicas e variáveis macroeconómicas como o crescimento real do PIB, a taxa de inflação ou a taxa de juro.


Um défice deve ser coberto ou com recurso a mais impostos ou com recurso à emissão de dívida pública. A opção por emissão de dívida pública no presente em detrimento do aumento dos impostos significa apenas o adiamento dos impostos que posteriormente terá que ser aumentado para saldar a dívida emitida no passado.

Deste modo, um País que tem défices orçamentais permanentes é um País que decerto terá carga fiscal elevada ou para cobrir o défice ou para saldar a dívida que se emitiu por causa do défice.

Um país altamente endividado com o passar do tempo fica com cada vez menos capacidade de endividamento e se confronta com juros e prémios de risco cada vez mais altos para poder ter acesso ao crédito. É um Estado que vê o seu rating degradar-se. Os investidores ao se aperceberem desse facto fogem desse país, porque passa a ser uma economia de risco.

Por razões de estabilização aceita-se que os países incorram em algum défice temporário, mas ciente de que os défices permanentes criam sérios problemas à economia.
Aliás, os economistas consideram que “finanças públicas sãs não implicam, necessariamente, o equilíbrio orçamental em cada exercício, mas sim que o desequilíbrio entre as receitas e as despesas públicas seja adequado à situação conjuntural da economia”.

Se adoptarmos como referência os critérios de Maastricht – défice orçamental menor ou igual a 3% do PIB e dívida pública não superior a 60% do PIB – notamos que de 2001 a 2008 Cabo-Verde cumpriu rigorosamente, o que nos leva a concluir que a derrapagem prevista para 2009 e os valores previstos para 2010 não devem ser descontextualizados da crise económico-mundial.

Em tempos de crise quase todos os países da União Europeia (UE) violaram os critérios de Maastricht, no que concerne ao défice e à dívida. As autoridades da União são rigorosas nesta matéria, mas por causa da situação excepcional de crise permitiu-se que os Estados Membros pudessem gerar mais défice para fazer face à crise.

Note que Cabo-Verde cumpre os critérios de Maastricht, limites esses que foram impostos para os países que fazem parte da União e que beneficiam dos fundos estruturais da UE. Cabo-Verde consegue cumprir sem beneficiar dos tais fundos.

Não obstante os progressos assinaláveis que registamos ao longo dos anos Cabo-Verde é ainda um país frágil, com uma elevada taxa de desemprego e da pobreza e com uma grande desigualdade da distribuição do rendimento.

Em Cabo-Verde o Estado ainda deve ter um papel preponderante na protecção dos mais desfavorecidos, como um investidor indirecto na criação de emprego, na eliminação dos constrangimentos inerentes à condição de insularidade, e na criação de condições para o fortalecimento do sector privado e para que o mercado possa funcionar de forma eficiente.

Tendo em conta a evolução do défice e do rácio da dívida durante esta década concluímos que o Estado não está a transformar-se num monstro e nem o ACC está em causa. Atravessamos sim uma conjuntura difícil.

Numa década em que a taxa de crescimento médio anual tem sido acima dos 5%, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu em torno dos 6% em 2009 e para 2010 o Governo projecta um crescimento em torno de 5%. Em 2007 e 2008 o PIB crescera cerca de 7,0% e 6,0% respectivamente. O Fundo Monetário Internacional estima que em 2006 a economia cabo-verdiana cresceu cerca de 11,0%.
O rácio da dívida pública em relação ao PIB foi de 57,50% em 2008 e para 2009 e 2010 estima-se que seja de 66,67% e 77,11% respectivamente.

Ao prever um rácio entre a dívida e o PIB de quase 80% o Governo não está a comprometer o bem-estar das gerações futuras?
Para aferir sobre essa possibilidade temos de analisar mais dois indicadores, quais sejam, défice corrente e défice de capital.

Essa análise é feita no texto em baixo sob o título " A regra de ouro das finanças públicas".

A regra de ouro das finanças públicas

Cabo-Verde é um País sem recursos naturais e com uma economia frágil. É imperioso gerir as finanças públicas de forma rigorosa e como um factor de competitividade.

Não temos nem ouro nem diamante e nem petróleo. Mas em finanças públicas existe uma regra que é conhecida por regra de ouro das finanças públicas e que diz o seguinte: o défice e o correspondente endividamento público são admissíveis, desde que sejam para financiar despesas de investimento público. Convém então analisarmos o défice corrente e o défice de capital.

Ao analisarmos os dados constantes do Relatório do Orçamento de Estado 2010 verificamos que o saldo corrente registou um excedente de 4,8% em 2007 de 5,6%em 2008 e para 2009 e 2010 o excedente estima-se em 1,9% e 2,7% do respectivamente.
Já em relação ao saldo de capital em 2007 registou-se um défice de 8,0%, em 2008 de 11,8% e em 2009 e 2010 estima-se que o défice de capital seja de 17,0% e 20,5%, respectivamente.

Estes dados revelam que ao longo dos anos o Estado teve um comportamento notável no que concerne às despesas correntes com o pessoal e com o funcionamento da máquina do estado.
Pelo contrário, o défice de capital tem sido elevado, o que revela que o grande responsável pelo défice global que se estima que em 2009 seja de 9,0% do PIB e em 2010 de 12,2% do PIB é a grande aposta que o Governo tem feito nos grandes investimentos públicos, nomeadamente na dotação do País de infra-estruturas que são imprescindíveis para a competitividade da economia de Cabo-Verde.

O Estado está a endividar-se, mormente a nível externo para dotar o país de grandes obras públicas como estradas, portos, aeroportos, escolas e hospitais. O que é relevante discutir neste aspecto é a rendibilidade desses investimentos públicos.

E aqui põe-se a questão se essas grandes obras públicas contribuem para o crescimento da economia ou se o Estado está a desbaratar recursos em elefantes brancos, recursos esses que deixam de estar disponíveis para o sector privado.

Em economia dada a identidade entre poupança e investimento, quando o Estado utiliza grande fatia da poupança disponível deixando uma parte residual ou quase nada para o sector privado dizemos que houve um crowding-out do investimento privado. Quando o investimento público contribui para a alavancagem do investimento privado dá-se o fenómeno contrário conhecido por crowding-in.

Parece-nos óbvio que essas obras públicas vão contribuir para o crowding-in do investimento privado, com destaque para o investimento directo estrangeiro que por sua vez contribui para o fortalecimento do sector privado e para o crescimento da economia.

Sendo assim, a dívida pública a que se incorre não constitui um ónus para as gerações futuras, porque são investimentos que geram retornos para a economia a médio e longo prazo que podem ser utilizados para saldar as dívidas e os respectivos encargos.

Isto é, estamos perante uma dívida que é sustentável, não só pelo facto de ser destinado a projectos de investimento públicos, com claro retorno e potenciador de crescimento económico, mas também se atendermos aos termos em que as dívidas foram negociadas, nomeadamente, os prazos de pagamento e os juros da dívida.

Convém dizer ainda que é justo que as gerações futuras também paguem uma parte do custo, visto que, beneficiam igualmente dessas infra-estruturas que são criadas.