quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Carlos Veiga: o rosto da "mudança" em Cabo-Verde

Há dias fui ao lançamento da Biografia Política de Carlos Veiga da autoria do Professor Nuno Manalvo e que tem como título "Carlos Veiga, o rosto da mudança em Cabo-Verde".


A obra foi apresentada pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, desde que anunciaram o lançamento do livro em Lisboa era grande a minha expectativa, porque pela primeira vez teria a oportunidade de ouvir o eloquente Professor ao vivo.

As minhas expectativas não foram defraudadas. Durante cerca de 20 minutos pude deleitar-me com as palavras do professor, um distinto professor e um grande orador. Sem surpresa ouvi-o a falar dos tempos da Faculdade de Direito de Lisboa em que teve o biografado como colega e das qualidades deste que ele considera excepcionais. Outra coisa não seria de esperar de alguém que foi convidado para apresentar o livro.

Fiquei sim espantado quando ouvi o Professor a dizer que a Biografia ora lançada teria de ter uma continuação porque e passo a citar "fica para um segundo volume o muito que ainda há a escrever, nomeadamente sabendo nós o que ainda se vai passar nos próximos anos". E mais a frente o Professor disse que pressente que em 2011, vai se iniciar um novo ciclo político em Cabo-Verde em que Carlos Veiga será eleito o Presidente de todos os cabo-verdianos.

Que leitura se pode fazer dessa afirmação do Professor Marcelo? Ou ele não sabe que Veiga desistiu de candidatar-se a Presidente de todos os cabo-verdianos e voltou a liderar o MPD e ser candidato a Primeiro Ministro em 2011; Ou Marcelo com o seu instinto de comentador político não pensa nem de longe e nem de perto que o homem decidiu voltar a chefiar o MPD e o vê depois de 10 anos como Primeiro Ministro e 10 anos depois de deixar o Governo como um candidato natural ao Palácio do Plateau; ou então em 2011, de facto, Carlos Veiga vai ser candidato a Presidente de todos os cabo-verdianos.

Logo a seguir foi a vez do autor da Biografia, o Professor Nuno Manalvo, falar. Qual homem desconfiado com o que por aí se diz começou logo por dizer a razão que o levou a escrever o livro: uma enorme estima e consideração pessoal que nutre pelo biografado. Isto é, o autor procurou convencer-nos de que se trata de um trabalho de investigação isento sobre uma personalidade que é uma referência da democracia no mundo.

E, para espanto de muitos presentes na cerimónia, Nuno Manalvo aponta um caso para justificar a sua admiração pelo biografado. Diz ele que em 2001, após o Supremo Tribunal da Justiça ter declarado Pedro Pires como vencedor das eleições presidenciais, o povo cabo-verdiano revoltado com a decisão esperava apenas um estalo dos dedos da parte de Carlos Veiga para sair a rua e protestar e quiçá de forma violenta como aconteceu no Quénia. E que Carlos veiga como um grande democrata mesmo em prejuízo próprio, decidiu acatar a decisão do Supremo em nome da estabilidade e da segurança.

Convenhamos que aqui o Professor Manalvo transformou-se em Papalvo, na medida em que se deixou enganar facilmente, ou então deturpou deliberadamente os factos. Todos se lembram que em 2001 Carlos Veiga afirmou que não aceitaria outro resultado que não fosse a vitória e que ficou a impressão de que o só não saiu à rua a marchar porque não teve o apoio popular e não o contrário.

É uma grande falta de respeito pelos cabo-verdianos quando alguém se esconde atrás da sua capa de académico insigne para defender determinadas teses sobre a recente história política cabo-verdiana, com base apenas em impressões e pressupostos falsos porque não baseados em argumentos sólidos e investigação fundamentada. É uma grande falta de respeito a Cabo-Verde e aos cabo-verdianos quando alguém se esconde atrás da sua capa de académico para fazer crer que as eleições presidenciais de 2001 foram fraudulentas e ainda para pôr em causa decisões de um Orgão de Soberania em Cabo-Verde como o é o Supremo Tribunal da Justiça.

Por último, falou o biografado. Falou pouco e não disse quase nada. Na verdade ,Carlos Veiga foi o rosto da "mudança" em Cabo-Verde. Nos finais de 2000 quando ele deixou a Chefia do Governo e a liderança do MPD deixou as finanças públicas em ruptura, uma taxa de desemprego a rondar os 30%, uma taxa de pobreza de mais de 30% da população, uma dívida pública incomensurável, os parceiros de desenvolvimento todos a fugirem de Cabo-Verde, um País sem credibilidade a nível internacional, o seu Partido à beira da gangrena, funcionários públicos sem salários, estudantes bolseiros no exterior com mais de 3 meses de bolsa em atraso, uma ruptura do stock de combustível, reservas externas esgotadas, uma enorme dívida aos trabalhadores das FAIMO, instituições delapidadas, um País sem rumo e uma enorme descrença dos cabo-verdianos em relação ao seu futuro.

Foram estas as mudanças que Carlos Veiga protagonizou de 1991 a 2000 em Cabo-Verde. Agora que Cabo-Verde retomou o rumo ele quer voltar para implementar uma nova "mudança".

Em relação ao livro, depois de desfolhá-lo rapidamente, uma frase captou a minha atenção. É uma afirmação de Carlos Veiga que consta da página 157 e que diz o seguinte: "eu sempre defendi o princípio da rotatividade da liderança governativa. O princípio da renovação, abrindo espaço a gente nova, com novas ideias, com novas energias, constitui para mim uma bandeira política".

É caso para dizer: no comment.