segunda-feira, 2 de março de 2009

A autocensura, o anonimato e as máscaras na sociedade cabo-verdiana

Cabo-Verde conquistou a sua independência no dia 05 de Julho de 1975. O Partido Africano da Independência de Cabo-Verde (PAICV) governou em regime de partido único de 1975 a 1990.

No dia 13 de Janeiro de 1991 realizaram-se as primeiras eleições livres e democráticas. O Movimento para a Democracia (MPD) venceu essas eleições e Governou até 2000. Em 2001 o PAICV reconquistou o poder e governa até hoje.

Volvidos pouco mais de três décadas sobre a independência o País cresceu e desenvolveu-se muito nos vários domínios mas ainda tem uma elevada taxa de desemprego e pobreza, e o Estado desempenha um papel fundamental a vários níveis.
Adquirimos o estatuto de País de Desenvolvimento Médio, mas a luta pela sobrevivência ainda é intensa. Persistem enúmeros constrangimentos à obtenção da liberdade, que vão desde a falta de recursos materiais e educacionais a impedimentos psicológicos ao sucesso.
Somos uma democracia jovem, muito jovem, com apenas 18 anos de vivência democrática. E, sendo assim, um País que ainda não conseguiu libertar-se de certos estigmas do colonialismo e do regime anterior.

Cabo-Verde é referenciado como um exemplo de democracia em África e no mundo, porque a transição em 1990 foi pacífica e exemplar e desde então, com mais ou menos turbulência realizaram-se as várias eleições, já houve alternância no Poder, e as instituições democráticas funcionam.

Não obstante, a luta política que ainda se faz em Cabo-Verde deixa muito a desejar. Em campanhas eleitorais discute-se tudo menos os projectos. Os discursos são violentos com ataques pessoais, calúnias e difamações de vária ordem. Fala-se da esposa, do esposo, da progenitora, dos filhos, das heranças e das fortunas mas não se fala do essencial que é Cabo-Verde. No Parlamento, centro do debate político em Cabo-Verde, alinha-se pelo mesmo diapasão.

Estamos a progredir e hoje estamos muito melhor do que ontem e amanhã, decerto, estaremos muito melhor do que hoje.

A sociedade cabo-verdiana no seu curto trajecto de País livre e independente é ainda marcada por esses dois acontecimentos mais importantes da sua história: a independência e a democracia, este reclamado pelos ventoinhas como obra sua, e aquele ligado indelevelmente ao PAIGC/CV.

É ,por isso, que desde que se instaurou o 13 de Janeiro como dia da Liberdade e da Democracia, todos os anos por ocasião dessa efeméride travam-se intensos debates em Cabo-Verde tendo de um lado o MPD e os seus sequazes a dizerem “ nós é que somos democratas, nós é que trouxemos a Democracia para Cabo-Verde” e do outro lado o PAICV e os seus sequazes a dizerem que o dia da Liberdade e da Democracia não devia ser o dia 13 de Janeiro, dia em que se realizaram as primeiras eleições, mas o dia em que o famoso artigo 4º da Constituição caiu pondo fim ao regime do Partido Único e dando início ao Multipartidarismo.

Como se esse debate fosse fecundo e permitisse resolver os principais desafios que o País enfrenta nos dias que correm, como a produtividade, a competitividade, o desemprego e a pobreza.

A sociedade cabo-verdiana é, portanto, uma sociedade muito partidarizada com o PAICV e o MPD a dominarem o sistema. Não surgiu a tão almejada terceira força.
Todas as forças políticas que até agora tentaram afirmar-se como terceira via estavam condenadas à nascença porque nasceram em circunstâncias especiais, através de dissidências e , por conseguinte, com objectivos de vingança e não estribados em projectos de sociedade credíveis. Acabaram por sucumbir e como “ os bons filhos à casa tornam” cada qual voltou à sua casa.
Não é de estranhar que só a UCID conseguiu sobreviver até agora, mas afirma-se cada vez mais como um Partido regional.

A terceira força é possível até porque quero crer que há cabo-verdianos que não se identificam nem com o PAICV e nem com o MPD. Esses sim, são capazes de estribados num projecto de sociedade credível proporem aos cabo-verdianos uma outra alternativa, porque não movidos por objectivos de revanche.

Dizia eu, que o sistema em Cabo-Verde é dominado pelo MPD e PAICV. Em Cabo-Verde o espaço de construção de ideias é totalmente dominado pelos políticos e pelos Partidos que os sustentam. É urgente o aparecimento de uma classe intelectual e académica com pensamento científico capaz de questionar esse pensamento eminentemente movido por interesses político-partidários.
Esperamos que a proliferação de instituições de ensino superior em Cabo-Verde promova a cultura de investigação e permita o aparecimento de uma classe intelectual capaz de contrabalançar essa hegemonia dos Partidos Políticos na construção de ideias.

Creio que fazer política em Cabo-Verde ainda comporta algum risco. Muitos à procura do primeiro emprego não manifestam as suas preferências políticas com medo de represálias. As pessoas tem receio de se manifestarem ou porque o filho está à espera de uma bolsa de estudo ou para não perderem o seu emprego. Existe ainda uma certa apetência para a vingança política. Os Jornalistas ou são censurados ou praticam a autocensura. O controlo social é muito forte tanto no sentido positivo como no sentido negativo.

Sonho que um dia Cabo-Verde há de atingir um nível de desenvolvimento económico em que o sector privado, mormente as pequenas e médias empresas, se afirmam como o motor de crescimento e o Estado deixa de ser o principal empregador; que todos sejam profissionais no exercício das suas funções; que a nossa democracia se consolide e não haja mais espaço para vinganças políticas; que a disputa política se faça com base em ideias e projectos; que o Estado se retire dos meios de comunicação social; que a liberdade de imprensa tenha como limite o respeito pelo outro; que todos possam manifestar livremente as suas preferências políticas sem medo de represálias; que se tolere a diversidade; que se promova a curtura do mérito e da excelência; que haja trabalho para todos; que os ricos se tornem cada vez mais ricos e os pobres cada vez menos pobres.

Quando eu realizar os meus sonhos estarão reunidas as condições para que não haja autocensura e para que haja menos anonimato. Não vejo o anonimato como algo a abolir.
Em relação às máscaras pode-se lamentar, mas não há nada a fazer. Tem a ver com a personalidade e o carácter e ainda com a questão da sobrevivência.

Apesar de eu ser um defensor acérrimo e apaixonado da liberdade de expressão, é preciso ser muito prudente nos dias que correm. O extraordinário desenvolvimento e a rápida disseminação das tecnologias de informação é propício á divulgação de conteúdos que podem incitar á violência e pôr em causa o equilibrio social.
Afinal, sempre “ a liberdade de um indivíduo para desferir um murro acaba onde a cara do outro começa."

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