segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A insegurança em Cabo-verde. Pistas para reflexão

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre a segurança e a insegurança em Cabo-Verde.
Cabo-Verde é ou não é um País inseguro? A meu ver, não é um País inseguro. Um País com estabilidade política, social e económica, não pode ser rotulado de País inseguro.

Não obstante, nos últimos anos surgiram fenómenos inquietantes na sociedade cabo-verdiana, como o aumento da delinquência juvenil, de actos de vandalismo, de crime organizado e altamente sofisticado.

E mesmo assim o País não está inseguro? Não está. Esses fenómenos na sua esmagadoria maioria tem acontecido na cidade da Praia. Na Cidade da Praia vive uma parte significativa de cabo-verdianos, mas Praia não é Cabo-Verde. Nem na forma, nem na intensidade e nem na abrangência territorial tais fenómenos fazem com que Cabo-Verde seja um País inseguro.
O sociólogo Émile Durhkeim disse que o crime é um fenómeno normal que caracteriza todas as sociedades, sendo que a cada tipo social corresponderá um conjunto específico de crimes, assim como uma determinada taxa de crimes.
Porém, exigem uma reflexão profunda e séria da parte de toda a sociedade, porque se não acautelados, aí sim, Praia pode tonar-se uma cidade inabitável e Cabo-Verde pode tornar-se um País inseguro. Estou confiante que não vamos chegar a esse “ponto de não retorno” até porque “Praia tem Solução”.

Propunha que se criasse uma equipa multidisciplinar de cientistas sociais e humanos, a sociologia, a economia, a demografia e a geografia entre outros, e se fizesse um estudo de grande fôlego sobre as causas desses fenómenos sociais que vão assentando arraiais na sociedade cabo-verdiana. Só assim podemos actuar combatendo o mal pela raíz.

A curto prazo aceita-se que se reforce o policiamento das ruas, com todas as polícias que forem necessárias para garantir a segurança pública para dar combate ao mal que já é realidade no País. E a longo prazo? Exige-se que Sua Excia o Senhor Ministro da Administração Interna em parceria com os seus pares do Governo, porque assunto transversal, apresentem medidas de maior alcance.

A meu ver, em Cabo-Verde as coisas vão acontecendo a um ritmo mais acelerado do que a capacidade do Estado em dar resposta. Tomando por empréstimo as palavras de Thomas Malthus eu diria que a capacidade do Estado em dar resposta tem crescido em progressão aritmética (1,2,3,4,5…) e os desafios tem crescido em progressão geométrica (1,2,4,8,16,32…).
Uma explosão da população estudantil e inexistência de escolas de formação técnico-profissional e de ensino superior capaz de absorver milhares de jovens que saem do sistema e ficam sem alternativas; um mercado de trabalho com um grande excendente de oferta de trabalho, grande parte inqualificada, e grande défice de procura de trabalho, e por isso com uma alta taxa de desemprego; a existência de um sistema de atribuição de bolsas de estudo que além de escasso é altamente injusta, favorecendo quem tem “Padrinho” e muitas vezes quem mais pode.

Cabo-Verde é um País pobre, sem recursos, que ao longo desses pouco mais de 30 anos de independência não produziu muita riqueza, mas produziu um bom número de ricos, com muitas fortunas de origem duvidosa.
Parece evidente que o tráfico de droga e a criminalidade associada é a grande ameaça de Cabo-Verde. É esse o fenómeno que se não fôr combatido pode apodrecer a nossa sociedade e transformar Cabo-Verde num País altamente inseguro.

O tráfico de droga provoca distorções na economia, instrumentaliza a pobreza, tem efeitos colaterais terríveis como o consumo de droga com efeitos nefastos para a saúde pública, e o aumento da criminalidade organizada, além de se afirmar como um forte concorrente ao Poder Político pondo em causa os alicerces de um Estado de Direito Democrático.

A pobreza faz aumentar a insegurança? Creio que não. Ontem Cabo-Verde era muito mais pobre do que é hoje e hoje Cabo-Verde é muito mais inseguro do que era ontem.

Contudo, um sistema que não consegue combater a pobreza, que privilegia sempre as mesmas pessoas, que favorece a perpetuação da pobreza e a agudização das desigualdades sociais e a exclusão social pode aumentar a insegurança. Em Cabo-Verde, toda a gente conhece toda a gente, a pobreza e a riqueza vivem lado a lado e o controlo social tanto no sentido positivo como no sentido negativo é muito forte. Se o sistema se implodir é um Deus nos acuda.

A insegurança é consequência do desenvolvimento? Este argumento não é plausível. Os países mais desenvolvidos do mundo, com os mais altos padrões de vida, como os países nórdicos, não são países inseguros.

O repatriados são os grandes promotores da insegurança que se vive no País? A impressão vai no sentido de que muitos repatriados, principalmente dos Estados Unidos da América (EUA), estão envolvidos em actos de vandalismo, de delinquência e de grande crime que vão acontecendo em Cabo-Verde. Mas também parece evidente que são instrumentalizados por certos sectores da criminalidade em Cabo-Verde. Exige-se um acompanhamento mais rigoroso por parte das autoridades competentes desses cidadãos que são repatriados para Cabo-verde.

Um americano de descendência cabo-verdiana que nasceu nos EUA, que viveu nos EUA, que se fez homem de acordo com os valores e as leis da sociedade americana, que se calhar nunca ouviu falar de Cabo-Verde, e de repente é repatriado para Cabo-Verde é um ser humano que num ápice se sente fora do seu habitat natural.

Então uma pergunta se impõe: é justo que os EUA só com base na descendência repatriem um cidadão que eles criaram de acordo com as suas leis e os seus valores? O que devemos pensar e esperar de um cidadão que a maior potência mundial não sabendo o que fazer com ele decide repatriá-lo para a terra dos seus pais?

Como eles (os EUA) são ricos deviam ajudar-nos a criar as condições de acompanhamento e porque não de reinserção desses cidadãos na sociedade cabo-verdiana. Convêm dizer que existem casos de sucesso de reinserção de repatriados na sociedade cabo-verdiana.

Cabo-Verde é um País aberto ao mundo que elegeu o turismo como motor de crescimento. Muito cedo começamos a sair de Cabo-Verde á procura de melhores condições de vida. Hoje somos também um País de imigração e para sermos coerentes devemos abrir as nossas portas para todos aqueles que queiram visitar-nos e viver connosco. Contudo, exige-se um controlo mais rigoroso das nossas fronteiras. Ninguém deve entrar e sair de Cabo-Verde sem passar por um controlo rigoroso.
A família,quiçá, a instituição mais importante de qualquer sociedade, parece estar em crise em Cabo-Verde. Uma criança que nasce no seio de uma família equilibrada e coesa tem todas as condições para ser ser uma plantinha que cresca, viceje e dê bons frutos.
A gravidez precoce também é outro problema. Uma criança não tem condições de educar adequadamente uma outra criança. O número de crianças que não são registadas pelos pais é uma calamidade em Cabo- Verde.

Em nome da modernidade e da liberdade tem se permitido muitas coisas. Um Pai moderno é um Pai que permite que o seu filho desde de tenra idade comece a dormir fora de casa e a frequentar lugares não aconselháveis para crianças. Coisas impensáveis outrora.

Os locais de vendas de bebidas alcoólicas e de diversão nocturna não tem horas de abrir e nem de fechar em Cabo-Verde.
Eu acho que devemos ser um País moderno e aberto ao mundo. Mas não devemos abdicar dos valores sob os quais se estruturaram a sociedade cabo-verdiana. Valores do trabalho, do sacrifício, do respeito mútuo, da família entre outros… Como dizia o filósofo alemão Jurgen Habermas “ o desenvolvimento dá-se no ponto de confluência entre a tradição e a modernidade”.

A autoridade do Estado tem de se manifestar quando é exigido. A lei que proíbe a entrada e permanência de menores de 18 anos em determinados lugares nunca foi posta em prática e nunca nenhum incumpridor foi penalizado. Não devemos permitir que se instale na sociedade cabo-verdiana a ideia de que o crime compensa.

Sou adepto de um Estado forte quando se trata de defender a liberdade e garantias dos cidadãos. Mas também aceito a restrição da liberdade em nome da segurança colectiva. Quero crer que é preciso uma grande reforma das leis em Cabo-Verde no sentido de adaptá-las aos tempos que correm.
Cabe a sociedade cabo-verdiana trabalhar no sentido de um Cabo-Verde seguro, onde se pode viver num ambiente de paz e tranquilidade.

Em Cabo-Verde temos todas as condições para uma grande qualidade de vida. Um território pequeno onde parece que os dias tem 48 horas e onde num dia se pode fazer tudo o que se quer.

Num mesmo dia pode-se trabalhar, passear, dançar, beber infinitos copos, viajar para uma outra ilha e voltar para o trabalho no dia seguinte. Coisas impraticáveis no mundo ocidental.

A natureza proporcionou-nos um lindo País para viver, com bom clima, e não podemos permitir que actos de vandalismo, de pequena e de grande criminalidade perturbem a nossa tranquilidade.

Mas é preciso que cada um cumpra o seu papel e se complementem uns aos outros. Os poderes públicos, as famílias, as igrejas, as empresas e cada um em particular deve assumir as suas responsabilidades. Caso contrário é um trabalho improfícuo.

6 comentários:

Anónimo disse...

very compelling argument, but there is one point that the author is wrong about. When someone is born in USA he is not deportable, because he is fully US citizen, unless if the person is a "naturalized citizen" which is probably the mentioned case. Overall, i completely agree with you. Peace. D.M.

José Luís Neves disse...

Caro Anónimo, eu vou informar-me sobre este ponto. Mas creio que tens razão. Já conversei com alguns colegas que me disseram o mesmo que tu. Agradeço a correção. Abraços

Anónimo disse...

Um pensamento bem estruturado. O diagnóstico está feito, sabem perfeitamente o que fazer e como fazer. Esta juventude que não perca o sentido desta orientação e que ajude Cabo Verde a seguir em frente, preservando as suas histórias, a sua serenidade e afastando as agressões externas. Mãos à obra salvem Cabo Verde.

Anónimo disse...

Regressei de Cabo Verde há pouco mais de dois dias!!Lindo país!!Trago especialmente São Vicente no meu coração!!Infelizmente a criminalidade é algo que toca a todos os povos.Achei as ilhas que visitei seguras e uma nota positiva,para São Vicente ,o facto de ver muita policía de prevenção.Espero que nunca algum dia a criminalidade neste país atinga os patamares preocupantes ,que atingiu em Portugal.Para isso é necessário uma justiça bem punitiva para os criminosos,uma boa formação da policía.Um abraço forte para este lindissímo país,que é sem dúvida um país irmão de Portugal.

Anónimo disse...

Que todos os Caboverdianos, possam cultivar o empreendedorismo, e não a ideia que reina na mente da maioria dos seus Jovens: " vou fazer um curso e esperar que o estado me arranje um trabalho". A verdade seja dita: Vamos chegar a um ponto em que haverá um excesso de quadros superiores no nosso pais. A solução é criar emprego para os outros.

Anónimo disse...

A pobreza potencia a insegurança: os países mais ricos são os mais seguros; os países mais pobres são os mais inseguros. A menor insegurança de ontem correspondia ao nível de pobreza de ontem; a maior insegurança de hoje corresponde ao nivel de pobreza de hoje.Veja-se que Cabo Verde tem hoje muito mais pobres do que ontem, em termos absolutos.